segunda-feira, 16 de junho de 2008

Gonçalves Dias



Gonçalves Dias inclui-se entre os raros exemplos da história do teatro que só receberam a consagração da posteridade, passando despercebidos para os contemporâneos. Nenhuma das quatro peças de Gonçalves Dias ter sido encenada no Rio ou em São Paulo, enquanto viveu o poeta.
Leonor de Mendonça passou pelo palco maranhense e surgiu em livro – única experiência editorial do dramaturgo. Entretanto, com existência bem menos meteórica do que a dos outros escritores românticos (nasceu em 1823) e ficou desaparecido no naufrágio do navio Ville de Boulogne, em 1864. Apesar de consagrado como grande poeta, nem com o prestígio do nome lhe abriram à cena.
Patkull e Beatriz Cenci, escritos ao redor dos vinte anos de idade, em Coimbra, ressentiram-se da pouca experiência do autor. Leonor de Mendonça vem logo a seguir. Alguns anos depois, com Boaddil. Seria uma última tentativa frustrada? O analista do teatro de Gonçalves Dias. Que não conheça a sedução da época pelos dramas históricos, terá dificuldade de reconhecer nele o mesmo autor que se popularizou com a poesia indianista.
Lêem-se as peças de Gonçalves Dias como se pertencessem quase a um clássico português, tal o despojamento e a elevação da linguagem. Sobretudo no caso de Leonor de Mendonça, os valores de contenção sutil, a catástrofe que, apesar da crueza do desfecho sangrento, decorre de uma inevitabilidade calma e repousada.
Os títulos dos dramas de Gonçalves Dias denunciam a preocupação com a pintura de grandes caracteres, à semelhança dos textos shakespearianos, denominados Hamlet, Otelo, MacBeth ou Rei Lear. A falha trágica dos heróis geralmente se liga à concentração numa das infinitas formas do mal, já que, parafraseando Victor Hugo, o bem se revela sob uma única fase. As criaturas gonçalvinas, como regra, cedem ao impulso do mal, e se arrependem depois, resgatando-se ante o juízo eterno.
Leonor de Mendonça, sem dúvida a melhor peça de Gonçalves Dias, suscita, nesse aspecto, comentários mais amplos. Num excelente prólogo. O autor trata claramente do problema: Há aí também outro pensamento sobre que tanto se tem falado e nada feito, e vem a ser a eterna sujeição das mulheres, e o eterno domínio dos homens. Se não obrigassem D. Jayme, a casar contra vontade (com D. Leonor de Mendonça), não haveria o casamento , nem a luta, nem o crime. Aqui está a fatalidade, que é filha dos nossos hábitos. Se a mulher não fosse escrava, como é de fato, D. Jayme não mataria sua mulher. O ciúme, baseado em indícios de traição, desencadeia a catástrofe, e provoca uma referência obrigatória a Otelo.
A diferença que há entre Otelo e D. Jayme é que o primeiro é cioso porque ama, o segundo porque tem orgulho. O Duque mata a Leonor de Mendonça, mas sem lágrimas, porque o orgulho não as tem. As relações das personagens derivam de inteligente visão do mundo, encarado com um estranho realismo que se encontra nas mais perspicazes e profundas sondagens românticas.
Existe como ponto de partida um equilíbrio instável dos protagonistas porque o casamento nobre impõe o respeito mútuo, mas não obriga ao amor. Essa aparência calma se rompe com a presença de Alcoforado, um jovem destemido e amoroso, que vem perturbar a negatividade daquela relação com um sentimento positivo e atuante. Os padrões românticos não lhe permitiriam desejar de Leonor senão uma complacência simpática e distante, aquecendo-o para buscar a morte gloriosa nas lutas de África. Ele lhe declara amor, na entrevista noturna que os condenaria, como necessidade juvenil de comunicar-se ao ser amado. Provavelmente seu impulso erótico estava contido pela defesa censora. Já que lhe seria temerário esperar correspondência de Leonor.
As atitudes da Duquesa decorrem de sentimentos mais contraditórios e sutis. Conhecedora do irremediável vazio sentimental do matrimônio, a presença do jovem apaixonado deveria perturbá-la. Talvez, na imprudência em aceder as rogos de Alcoforado para o encontro à meia-noite, se escondesse o abandono subconsciente à inclinação, sem que a lucidez o os vetos morais a reprovassem. O episódio inocente, porém, originou a catástrofe, e Leonor nem teve tempo de acalentar qualquer sentimento mais bem comprovado. A realidade hostil surpreendeu-a, quando definiria para si a figura do jovem amoroso, e a si mesma com relação a ele.
Gonçalves Dias evitou, com a interferência da fatalidade, um esclarecimento difícil, que talvez roubasse à peça a delicadeza, o mais requintado clima do meio tom. Pode ser tomada apenas como origem de sentimentos futuros, interrompidos pelo destino, a confissão de Leonor a Alcoforado: “É à cabeceira de meus filhos que eu vos direi que vos amo; eu vos amo, porque sois bom, porque sois nobre, porque sois generoso; eu vos amo, porque tendes um braço forte, um coração extremoso, uma alma inocente; eu vos amo, porque vos devo a vida, porque não tendes mãe, e eu vos quero servir de mãe porque sofreis, e eu quero ser vossa irmã. É um amor compassivo e desvelado, que poderia ser reprovado na terra, mas que eu não creio que o seja nos céus”.
Não existe nessa confidência, uma palavra que indique paixão desvairada ou a entrega carnal. Calor humano, ternura plena da amizade – eis o que transparece dessa fala, resposta carinhosa de um coração solitário e um apelo amoroso. Todos bradam a inocência de Leonor, e o servo se recusa a matá-la cabendo ao próprio Duque fazer-se carrasco. Ao sacrificar a mulher, D. Jayme representa todo o impacto dos preconceitos sociais, de que se tornou instrumento, por falta de amor verdadeiro.Leonor de Mendonça, um drama sóbrio e elevado. Certamente a melhor obra do gênero em nossa literatura do século XIX.

2 comentários:

  1. Amigo, acredito que você se aprofundou muito em uma obra específica do GD, isso acabou desviando o propósito do texto, que seria, no caso, estudar o teatro gonçalvino como um todo, certo? Mas enfim, gostei do seu texto. Mantenha a confiança, seu blog ainda pode crescer bastante. Ignore comentários como de nosso amigo acima, não te faz bem críticas sem base. É isso, abraços de qualquer pessoa do mundo haha boa sorte!!

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