quinta-feira, 30 de junho de 2011

OUTSIDE, 26 de junho de 2011

OUTSIDE, 26 de Junho de 2011
“Quando eu gosto de uma peça de teatro, eu dou parabéns. Quando eu não gosto de uma peça de teatro, eu dou parabéns”. Outside é uma experiência diferente. Homem-arte, Homem-bomba. Apesar das três horas de espetáculo, apesar de o público “boiar” em muitas referências a Pop art, Body art, Theodore Adorno, Peggy Guggenheim e ao universo do próprio David Bowie, elemento que costura toda a obra, há algo de crucial nesse delírio teatral que é fazer pensar quais são os limites de tudo isso? Há limites para Arte? O que é propriamente Arte?
Questão que parece pretensiosa, e é mesmo, sobretudo quando exposta num palco, encenado como uma peça qualquer. Não, não é uma peça qualquer. Pretensiosa e arrogante, mas por que não? Qual o problema em ser pretensioso? Arrogante ou não, pouco importa, o fato é que hoje, no afã de “acertar”, de não “fazer feio”, por medo de errar (como se fosse possível não errar), ou pelo pragmático e compreensível medo do prejuízo financeiro, pouco se vê no teatro ousadia, pouco se vê no teatro pessoas dispostas a assumir riscos reais, e o espetáculo em cartaz no teatro do Jardim Botânico faz isso. Até exagera. Mas como controlar o impulso criativo? E, será que preciso fazê-lo? Afinal, qual o limite da arte? Qual o limite do corpo? O que é verdade? O que é mentira? Mutilação, morte, suicídio são de alguma maneira, Arte? O que são crimes de arte? “I don’t Know, I’m Sorry”.
Há algo de muito intrigante na peça, mas há também uma supervalorização das referências do público, que, de certa forma pode “amarrar” a peça em viagens “googlelíticas” pós-peça, pós-baixo-gávea em seus lap tops 3G. Pra que teatro? Por que teatro? E, nesse sentido a peça parece uma obra de transição, e o é, de fato.
Na necessidade de se reinventar, o teatro vem tentando, na maioria das vezes de forma insatisfatória, incorporar as novas mídias, mesmo que não sejam tão novas assim. O teatro brasileiro, ao menos, tem utilizado em larga escala, microfones, computadores, música eletrônica, vídeos, telões etc para tentar dar formas teatrais a essa parafernália tecnológica em que se transformou a contemporaneidade. Vem tentando também, isso há mais tempo, faça-se justiça, dialogar com o cinema e com a performance (esta, uma arte prima-irmã do teatro, nascida no século vinte), com as artes plásticas, sobretudo depois do advento da “instalação”, trilhando caminhos confusos, indecisos, por vezes brilhantes. Não que a peça seja brilhante, não é, mas é interessantíssimo ver o diálogo, numa arena teatral, dessa imensa quantidade de elementos estranhos a um teatro mais, digamos, tradicional. É um grande e fantástico laboratório de experiências artísticas, como a personagem que usa o próprio corpo como suporte para sua arte o teatro tenta transcender o próprio espaço teatral para reinventar.
Curioso também ler nas entrelinhas a crítica a idéia de que hoje há conceito para tudo, e há mesmo. Marylin, Norma Jean, pode não ser uma mulher, basta que ela seja um conceito. Tudo é indústria, tudo é absorvido pela indústria cultural, mas tudo tem que ser bem e claramente conceituado para cenário, figurino, luz, movimentos dos corpos dos atores em cena (sempre me pergunto se há atores fora de cena?). Quem já teve ou tem que lidar com projetos de arte, geralmente para conseguir subsídios sabe do que estou falando. Mas em cena ainda somos os mesmos, atores, e atores fazem a diferença. Mas são tantas parafernálias conjugadas com o trabalho do ator que hoje há direção de arte, direção de movimento, direção musical, direção geral, eventualmente pode haver mais diretores do que atores numa peça de teatro. Não há mais autor e sim dramaturgista, ou dramaturgs para quem o mundo não cabe mais na pena de uma só pessoa, para quem já não bastam intérpretes e sim, parceiros, e sim diálogos que se reconstroem sucessivamente até se chegar a um texto, que ainda é e continuará sendo creio uma leitura específica de mundo, só que agora de um mundo não mais pessoal particular, mas coletivo, um coletivo de particularidades. Ao mesmo tempo há um desprezo absoluto pela economia de gestos, pelas histórias simples, pelo aristotélico e aparentemente “ultrapassado” começo, meio e fim; o Caos se tornou o nosso Zeus contemporâneo, tudo é Caos, tudo é Quântico, tudo é Relativo. É o fim dos tempos para aquela regrinha do Hitchock que dizia que caso aparecesse uma espingarda no alto de uma lareira, ela necessariamente teria que ser usada. Mas faz sentido, pois são tantas informações, pequenas ou grandes, relevantes ou não, são tantos “infocaminhos” a percorrer nessa Matrix que o espetáculo já não se encerra em si mesmo, não acaba ao cair o pano (expressão antiga e cada vez mais em desuso, visto que poucos teatros preservam as cortinas em sua boca de cena), ao contrário, o espetáculo continua nessa circunavegação “googlemaníaca” que fazemos todos os dias por prazer, por vício ou por dever de ofício.
Outside faz tudo isso, ou tenta. Às vezes de forma bem-sucedida, às vezes não, mas tenta e isso é o que importa. Como descobrir algo novo, sem o risco? Como descobrir o fogo, sem se sujeitar a algumas queimaduras? Difícil? Difícil. Complicado? Complicado. Espetáculo longo, nada delicado, que não se completa no palco, mas que te move para a internet, que te move para entender avidamente tudo o que ficou no vácuo do conhecimento.
Pode ser arrogante, que a gente corre atrás e empata, ou supera. Que delícia de jogo esse do Teatro. Que delícia de jogo esse da Vida! Outside, i´m inside. (i try, i try...)