sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CRÍTICA DOS ESPETÁCULOS: O Estrangeiro, Diário de um louco, O língua solta e Não matei, mas sei quem fui







CRÍTICA DOS ESPETÁCULOS: O Estrangeiro, Diário de um louco, O Língua solta e Não matei, mas sei quem fui.

Quatro espetáculos! Quatro monólogos! Quatro atores em cena, no auge da forma.

A opção pelo monólogo, durante muito tempo foi uma considerada uma opção difícil, com pouca possibilidade se sucesso, algo só pensável para os grandes atores, mas grandes mesmo, os dinossauros, os gênios, enfim, uma responsabilidade e tanto.
Muita coisa mudou no teatro brasileiro nos últimos vinte anos. No final dos anos oitenta do século XX, por exemplo, a opção que mais se via nos palcos da cidade, eram espetáculos com grande quantidade de atores, ao menos nos palcos cariocas. No final do século, e no começo do novo milênio pode-se dizer que as mulheres criaram coragem e partiram para um primeiro surto monológico que se estendeu até 2007, aproximadamente. Atualmente, este ano de 2009, especificamente, pode-se afirmar, sem medo de errar, que os monólogos masculinos tomaram conta dos teatros cariocas. Dividindo espaço com Stand-up comedy’s dos mais diversos, comédias ligeiras e formaturas de cursos de teatro.
Crise financeira, facilidade de traslados, espaços cênicos cada vez menores, enfim, são muitos os motivos para que um ator tome “coragem” de encarar sozinho uma platéia. Uma outra tendência bastante contemporânea são as encenações de textos, a princípio, não teatrais, como: contos e romances consagrados. E ainda há a, já bem consolidada, aposta em textos de novos autores brasileiros, que desde o começo do século vêm se tornando uma realidade muito bem-vinda em nossos palcos.
Particularmente quatro peças, quatro monólogos masculinos merecem uma atenção especial: O estrangeiro, de Albert Camus, dirigido por Vera Holtz, com um tecnicamente impecável, Guilherme Leme; O Língua Solta, de Miriam Halfim, dirigido por Xando Graça, com um inspirado e eficaz, Isaac Bernat; Não matei, mas sei quem fui, de Cesar Amorim, dirigido por Diego Molina, com um divertidíssimo César Amorim; e, finalmente, Diário de um louco, de Nicolai Gogol, dirigido por Alexandre Bordallo, com um amadurecido e surpreendentemente emocional Cláudio Tovar, são espetáculos que, entre outras semelhanças, sobrevivem em cartaz na cidade do Rio de Janeiro, tendo comportamento de show. Ou seja, sobrevivem “pulando” de teatro em teatro, em curtas, e às vezes, curtíssimas temporadas, pelos muitos centros urbanos que se espalham pela cidade do Rio de Janeiro.
Eis aí uma discussão interessante, na medida em que se descobre, ou, ao menos se levanta a hipótese de que não há mais um lugar certo para se manter em cartaz uma peça. Na verdade, há vários lugares possíveis, que oferecem temporadas cada vez mais curtas, em teatros cujos aluguéis são exorbitantes. E, se um ator quer ser visto, parafraseando Milton Nascimento, “ele tem de ir onde o público está”.
É fato que, depois do 11 de setembro, depois das sucessivas crises políticas e econômicas, depois da queda do dólar, da bolsa de valores, da reiteradamente incompetente política de transportes públicos do Rio de Janeiro, dos preços extorsivos das peças, das equivocadas políticas culturais, da polêmica da meia-entrada, dos engarrafamentos, das tentativas de assaltos, do tumulto generalizado na hora do rush na cidade; da novela das oito, da NET, SKY, TVA, DVD, Blue-ray, YOUTUBE, GOOGLE, etc, o público desistiu, ou, se não desistiu ainda, ficou mais seletivo, e, para desespero da “gente de teatro”, bastante acomodado.
Então, parece evidente uma produção terminar adotando como estratégia de sobrevivência estrear no SESC, CCBB, CCJF, ou SESI, depois ir para o Shopping da Gávea, de preferência, ou para o Teatro do Leblon, e depois, para algum teatro do Centro da Cidade; depois, Teatro dos Grandes Atores, na Barra, algum teatro em Copacabana, se ainda existir, pois a decadência é tanta em Copacabana que só existem dois teatros em funcionamento onde, outrora havia dez teatros; assim como, só há um cinema, onde, até a última década do século XX, havia oito salas.

Sobre as peças:

O estrangeiro, de Camus, é um ícone do existencialismo, movimento filosófico importantíssimo no século XX; um romance filosófico que fez história nos anos sessenta. Até hoje faz parte da maioria das antologias lançadas em bancas de jornal. Então, é bem possível que todos nós tenhamos um exemplar em casa e nunca tenhamos lido. Mas quem se deu ao trabalho de ler, certamente não passou batido pela vida daquele personagem diante de um imenso vazio interior; certamente se pôs a pensar no sentido da vida, do cotidiano, do dia-a-dia, do significado das coisas, na motivação que tanto nos dizem ser importante para a vida. O que nos motiva? Para que serve tudo o que fazemos? É possível, simplesmente, viver a vida sem nos deixar impactar pelos acontecimentos? Vale a pena ver a peça, ler o livro, e tudo que se produzir sobre essa obra porque todos somos um pouco estrangeiros diante da vida. E a peça ainda tem o trabalho esplendoroso de um ator numa idade em que consegue unir vigor físico e experiência, uma grande atuação de Guilherme Leme e uma suave e sutil direção de Vera Holtz.

O Língua Solta é outro monólogo que apresenta um ator experiente e ágil em cena, bem dirigido por Xando Graça, que parece ter “permitido” que, dentro de uma “partitura física” bastante rígida, Isaac Bernat apresente ao público uma grande habilidade em transformar objetos inanimados em personagens, sem que sequer percebamos como ele construiu aquelas formas animadas e, ao mesmo tempo consiga emocionar e fazer rir na mesma proporção, além rememorar uma história do Brasil que ninguém lembra ou sequer sabe que um dia existiu. A peça conta à história de Bento Teixeira que foi o primeiro poeta a ser publicado no Brasil, em 1601. O autor da Prosopopéia sofreu as agruras da perda de dois filhos, da traição e da delação da mulher ao Tribunal da Santa Inquisição. Ainda assim, o espetáculo consegue ser divertido e emocionante.

Diário de um louco é, como diz o diretor Alexandre Bordallo, a exaltação da genialidade artística que permeia a loucura, a loucura criativa, producente, construtiva. Outro excelente momento da condição do ator brasileiro. Como temos grandes atores nesse país! A peça serve a um duplo propósito ambos louváveis: comemorar os 40 anos de carreira de um Cláudio Tovar memorável, capaz de criar personagens com os quais contracena, ao longo da uma hora e meia da peça, a partir de sapatos velhos, garrafas pets, vassouras, etc. Uma verdadeira aula sobre a utilização de cenários e figurinos – Aliás, de um barroquismo delirante, e ao mesmo integralmente utilizado. É impressionante como nada, nada mesmo é excessivo em cena. Aliás, tudo parece ter tamanha utilidade em cena que depois de uma hora tentando absorver todos aqueles seres criados brilhantemente por Tovar, o público cansa. Cansa e, lamentavelmente protesta, se mexe, muda de lugar, vai embora sem muito respeito pelo “monstro sagrado” do teatro que está ali, no palco, nos brindando com o melhor dele mesmo. Uma pena que o público venha ficando cada vez meno paciente com o tempo, com a ideia de absorver uma obra com calma, lentamente. Parece que tudo hoje têm que ser vertiginoso, veloz, em ritmo de musical da Brodway, mas com a duração de uma série de TV. Chega a ser frustante! Mas apesar do público, Tovar mantém toda a dignidade de homem de teatro e nos oferece um espetáculo comovente para quem teve coragem e respeito de ficar na sala até o fim daquela pequena pérola do teatro contemporâneo.

Não matei, mas sei quem fui, de César Amorim, é uma divertidíssima comédia, filosófica; esquizofrênica, para ser mais explícito. Quando começa a peça vemos um homem num banheiro de motel, conversando com seu pênis, tentando fazer com que sua vida seja resolvida pelo sexo. Tudo parece muito corriqueiro e sem nada de especial até que entra em cena um alterego, e outro, e outro, e um outro. A partir daí, vemos em cena um ator, contracenando consigo mesmo, mas não fazendo quatro personagens diferentes, e sim, representando quatro facetas dele mesmo. É claro que isso gera uma torrente vertiginosa de humor que César aproveita muito bem. A direção de Diego Molina é firme e colabora, na verdade, muito com a atuação de César. Parece que nesse caso a direção foi muito mais uma parceria e um olhar de fora para deixar o ator livre para criar seus vários eus e enlouquecer platéia, levando-a as gargalhadas.

É isso!Edvard Vasconcellos

Nenhum comentário:

Postar um comentário