sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Solidão nos campos de algodão


A estréia, no Brasil, da peça de Bernard-Marie Koltès, foi encenada por Gilberto Gawronski e Ricardo Blat, em 1996. Treze anos depois, sob a direção de Caco Ciocler, esse inquietante texto é remontado no Brasil, com ares de superprodução, no espaço cultural dos Correios, no Rio de Janeiro.
Na peça, apesar de não haver uma ação evidenciada, a solidão dos dois homens que estão em cena o tempo todo, e o conflito que se estabelece até o final da peça, sobretudo, pela contraposição dos longos monólogos de ambos os personagens que aparentemente subentendem dois lados complementares de uma situação em que dois homens sem nome e sem referências passadas explícitas, expõem, por intermédio da palavra, um jogo de sugestões e referências indiretas ao tráfico de drogas, as mercadorias ilícitas, de uma maneira geral, e ao homossexualismo, diversas vezes na peça, também pensado como mercadoria. As qualidades poéticas do texto são ressaltadas pela bela e jovial tradução de Camila Nhary.

Na montagem dirigida por Caco Ciocler, o cenário é o grande destaque. Além de possibilitar um fascinante jogo de gato e rato entre os personagens, favorecido pelo ambiente natural da noite na praça 15, no Rio de Janeiro. O palco a céu aberto cria uma atmosfera mágica para a peça. Os muitos conteineres onde, inclusive a plateia é acolhida, colabora com o clima de "lugar proibido", de lugar de difícil acesso. Os figurinos e a luz valorizam cada detalhe do trabaho dos atores, apesar de a luz, em alguns momentos, não colaborar muito com a visualização do que acontece em cena, momentos nos quais eles deveriam aparecer ao invés de se esconder, a iluminação acaba criando áreas de sombra que não favorecem o clima instaurado.
O espetáculo é encenado para 110 espectadores que se sentam em cadeiras dentro de conteineres que parecem fazer parte do cenário, onde os dois personagens se encontram. O diretor consegue imprimir ação ao texto por meio da sugestão, estabelecendo este jogo de gato e rato, de compra e venda, trabalhado com muito vigor físico por parte dos atores. Armando Babaioff e Gustavo Vaz tem grande domínio corporal e tem ótimas performances, mas por vezes parecem duas metades de um mesmo homem. O único problema desta montagem parece ser de caráter técnico, por vezes, poucas vezes, diga-se de passagem, problemas com os microfones nos impedem de ouvi-los com clareza.
A montagem pulsa com um vigor de enfrentamento bem a cara dos tempos nada idílicos em que vivemos.

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