domingo, 20 de abril de 2008

Um vazio de um século e meio; o teatro brasileiro nos séculos XVII e XVIII


A colonização brasileira principiou efetivamente em meados do século XVI, quando já havia desaparecido o maior autor teatral português desse período, Gil Vicente. Se já não se realizava um grande teatro na metrópole, por quê supor que se produziria um grande teatro na colônia?
O fato é que por coincidência ou pelas peculiaridades de seu processo colonizador, o Brasil viu nascer o teatro das festividades religiosas, assim como os gregos. Apesar de um caráter radicalmente distinto do culto grego, essas festividades colaboraram com um caráter de aculturação que, se não reverberou na pena do texto teatral de forma cronológica, certamente teve grande influência no processo de formação do homem brasileiro e nas festividades tão miscigenadas da história nacional.
Não nos chegaram outras peças jesuíticas e não se descobriram textos que tenham sido representados no século XVII. Preserva-se o nome de três autores, mas dos quais não sabe, sequer o assunto das obras escritas, guarda-se tão somente os registros dos festejos nos quais tais obras teriam sido incluídas. São eles, os baianos Gonçalo Ravasco de Albuquerque, Jose Borges Barros e o carioca, Salvador de Mesquita.
Uma exceção que cabe registro se faz com relação a Manuel Botelho de Oliveira (1637-1711) que vem a ser o primeiro poeta do país a editar suas obras. Contudo, suas peças foram escritas em espanhol, observando modelos hispânicos, e não há qualquer registro de que tenham sido representadas. De suas duas comédias, pode-se dizer que: Hay amigo para Amigo trata-se de uma cópia de No hay Amigo para Amigo, de Francisco de Roja Zorrilla, e Amor, Engaños y Celos, se parece muitíssimo com La más Constante Mujer, de Juan Perez Montalván.
A respeito desse aparente vazio teatral do século XVI, que se mantém até meados do século XVIII, pode-se tecer algumas considerações: além da falta de documentos, talvez seja possível conjeturar que houve mudanças nas condições sociais do país, não cabendo nos centros povoados o teatro de catequese porque os portugueses e os nativos tinham que se juntar para combater os invasores holandeses e franceses; modificando o panorama calmo e propício ao desenvolvimento, do século anterior.
Apesar disso, consta que em 1749 começa e se instalar nas principais cidades do país “Casas de Ópera”. Cabe lembrar que o Brasil dessa época já possuía alguns grandes centros comerciais e cidades de relativo porte como Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Vila Rica (Ouro Preto), Diamantina e Porto Alegre, cidades que já na década de 1760, possuíam seus teatros fixos. O fundamental nisso é que a partir do momento que se constrói um prédio com objetivos unicamente teatrais começa a surgir todo o entorno atores, autores, cenógrafos, público e a atividade teatral tende a se desenvolver. Apesar disso, dramaturgicamente, só nos é conhecido um texto de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), o inconfidente, O Parnaso Obsequioso que tratava basicamente de uma louvação em honra ao aniversário do Conde de Valadares, Governador, à época, da Capitania das Minas Gerais. A cena se passa no Monte Parnaso e os interlocutores da trama são Calíope, Apolo, Mercúrio, Clio, Tália e Melpomene. Resulta em um coro de musas em louvor do aniversariante.
Esse vazio pode ser esquecido se repatriamos Antonio José da Silva, - O judeu - (1705-1739). O Judeu, queimado aos 34 anos pela Inquisição, fez teatro no bairro Alto de Lisboa, e suas óperas se filiam longinquamente às farsas populares plautinas. Sua família deixou o Brasil quando tinha apenas oito anos, por ordem da Inquisição, posto que acusaram sua mãe de práticas judaizantes. Antonio José foi perseguido a vida inteira pela Corte religiosa, e teve que se esconder e se disfarçar por toda a vida. Em contraste com a condição de vítima, suas peças se destinam ao riso franco, e com freqüência, elegante. Embora nascido no Brasil, sua dramaturgia pertence de fato ao teatro português. Escreveu Guerras de Alecrim e Manjerona, Anfitrião, Esopaida, entre outras. A figura de Antonio José permanece um enigma para a posteridade e é responsável por aquela que vai ser considerada quase um século mais tarde como a primeira tragédia brasileira: Antonio José, ou o Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães.
Assim como incorporamos Anchieta às origens do teatro brasileiro, apesar de espanhol, o mesmo pode e deve ser feito com Antonio José, até mais, na medida em que o mesmo nasceu no Brasil.
Mas, por mais busquemos na dramaturgia, certamente seguiremos por caminhos pouco concretos, e o que temos de concreto são as “Casas de ópera” que se supõe existir no Rio de Janeiro desde 1748 (fala-se mesmo de uma “Ópera dos Vivos”, cuja única referência que há é o nome de uma rua com seu nome) Afirmam os historiadores que a Casa de ópera foi destruída em 1769, por um incêndio e que, possivelmente se encenava naquela casa a peça Os encantos de Medéia, de Antonio José. Cita-se também que várias peças do Judeu foram ali representadas. Em fins do século XVIII Vila Rica já possuía seu teatro, de pé até hoje, e reconhecido como o mais antigo da América do Sul.
Esse surto de estabilização cênica, se não produziu autores de monta nacional, ao menos propiciou que se iniciasse uma atividade artística regular no Brasil. E existência do edifício teatral, tendia a fixar a vida cênica.
O vazio do século XVIII pode ser transformado numa lenta e paciente preparação de um florescimento que viria mais tarde, no alvorecer do século XIX, de um Brasil já independente.

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